Karen Bueno – A data que recorda o Segundo Marco Histórico de Schoenstatt, 20 de janeiro de 1942, pede sempre de novo que todos os filhos de Schoenstatt vivam heroicamente essa herança em seu dia-a-dia, com a mesma confiança filial que demonstrou o Pai e Fundador diante da provável morte certa.
Ele é preso injustamente pelo poder nazista e, após um supérfluo exame médico, é considerado apto para o Campo de Concentração. Seria enviado para Dachau e, humanamente falando, não retornaria de lá com vida. Com muito trabalho a Família de Schoenstatt consegue um novo pedido de exame para que ele seja reavaliado e, talvez, dispensado da condenação. Porém o Fundador vê que isso não é a vontade de Deus, ele quer ser libertado pela vontade divina e não pelo agir humano. Assim, no dia 20 de janeiro ele finalmente dispensa o pedido de novo exame e se entrega totalmente aos cuidados da Mãe e do Bom Deus.
Pe. Kentenich recorda anos depois: “Hora após hora, andava os poucos passos, de um lado para o outro, na cela da prisão. Lutava, rezava e não sabia o que fazer… Chegou o dia 20 de janeiro. Eu lutara comigo mesmo durante toda a noite, para reconhecer a vontade de Deus. Finalmente obtive clareza; não vou assinar o requerimento para o médico! Se tenho a escolha, seja para mim morte e correntes, mas para a Família a liberdade! Tinha-me decidido. Não queria ser libertado através de meios humanos. Na missa, (celebrada clandestinamente) na manhã de 20 de janeiro, entreguei de livre vontade a Deus toda a minha liberdade… Foi um dos momentos mais difíceis na minha vida… Recebi muitas cartas, inclusive de sacerdotes. Como fiquei humanamente tocado com tudo aquilo!… De vez em quando, brotavam-me algumas lágrimas dos olhos! Dei graças a Deus pelos meus óculos”.
Suas atitudes inspiram a vida de todos os schoenstattianos e podem ser repetidas de algumas maneiras no dia a dia a dia, vejamos algumas delas:
– Atitude filial
Pe. Kentenich tinha diante de si a possibilidade de assinar um novo pedido de exame que poderia, talvez, liberá-lo do campo de concentração, sem muitas garantias. Depois de rezar bastante ele chega à sua conclusão: a vontade de Deus antes de todas as coisas. Se Deus quer que o libertem, ele o fará, mas se essa não é a vontade do Pai, ele aceita livremente a sentença, mesmo que represente sua morte.
São suas essas palavras enquanto espera a resposta dos poderes nazistas: “Mãe, queres o meu trabalho: Adsum! (Eis-me aqui!) Queres o esvaimento lento de todas as forças espirituais: Adsum! Queres a minha morte: Adsum! Mas cuida que todos os que me destes amem a Deus, aprendam a viver e a morrer por Ele”.
Por seu exemplo o Pai e Fundador ensina a dizer “Adsum”, eis-me aqui, a todos os pedidos que Deus faz no dia a dia. Talvez não seja uma situação complexa e perigosa como um campo de concentração, mas certamente o Pai Eterno pede decisões diárias que lhe provem o meu amor pessoal nas pequenas coisas, desde realizar corretamente as obrigações como ter grandes atitudes de entrega. Essa é a primeira exigência da Aliança de Amor: “Provai primeiro que realmente me amais”, todos os dias.
– Confiança Heroica
Para a maioria, o campo de concentração representava a morte, então a situação do Fundador em janeiro de 1942 não é muito diferente da de Abraão quando Deus pede o sacrifício de Isaac. E a resposta do Pai, em atitude filial, é a mesma de Abraão: “Eis-me aqui” (Gen 22). Assim como na Bíblia, Dachau torna-se o “Monte Moriá” na história de Schoenstatt, onde Deus comprova o ilimitado amor do Pe. Kentenich e sua confiança na paternidade divina.
Assim ele escreve: “É frequente dizer-se a Deus: Tu podes me enviar qualquer coisa, menos essa. Inscriptio (um elevado grau da Aliança de Amor) consiste em dizer a Deus: ‘Tu podes enviar-me qualquer coisa… especialmente essa’ (a que eu temo). Uma atitude assim supõe uma radical confiança em Deus como Pai, que nunca mandará uma cruz ou dor sem dar abundantes forças para carregá-la”.
A história de Schoenstatt mostra que essa confiança não se conquista de uma hora para outra, mas com passos firmes que levem ao céu. Quanto mais eu me entrego nas mãos da Mãe e Rainha e do Bom Deus, mais aprendo a confiar que eles cuidarão de tudo. Sempre de novo pode-se rezar: “Confio em teu poder e em tua bondade, em ti confio com filialidade, confio cegamente em toda situação, Mãe no teu Filho e na tua proteção”.
– Liberdade acima de tudo
“O mais precioso que o homem possui é a liberdade. Com amor sincero e ardente, ofereço esta liberdade para que o Bom Deus conceda à Família (de Schoenstatt), por todos os tempos, o espírito da liberdade dos filhos de Deus que anseio com tanto ardor”.
Em Dachau, Pe. Kentenich tem sua liberdade física retirada, porém algo que jamais conseguem lhe roubar é a liberdade interior. Um dos exemplos mais conhecidos narra que o chefe da polícia nazista exigiu que o Pai e Fundador limpasse sua bicicleta imediatamente; diante dessa ordem, Pe. Kentenich responde que sim, ele lavará a bicicleta, mas não porque lhe é exigido, e sim porque ele, como homem livre, quer oferecer isso como presente de amor. Nessa situação o chefe se vê constrangido e dispensa o Fundador desse serviço.
Vários fatores atacam diretamente a liberdade humana todos os dias. São cadeias invisíveis que cercam o livre pensar. Um deles é a massificação, quando o homem deixa de ter suas próprias ideias e segue tudo que as pessoas lhe falam, o que a mídia, a moda, as ideologias lhe apontam. Ser livre, como ensina o Pe. Kentenich, é não deixar-se levar pelas correntes da massa e colocar a liberdade totalmente nas mãos de Deus.
– Nobreza
O ambiente do campo de concentração é todo preparado para que o ser humano perca sua nobreza, sua dignidade, sentindo-se, instintivamente, como um animal. A nudez, a fome, as humilhações, torturas condicionam os prisioneiros a esquecer-se de sua identidade de filhos muito amados do Pai.
Mesmo nessa situação, Pe. Kentenich sabe que seu ser é valioso e assim também estimula os outros sacerdotes prisioneiros. Eles criam um lema para motivá-los: “Nós, sacerdotes do Campo de Concentração de Dachau, vivendo nas condições mais primitivas, não queremos reagir de modo primitivo, mas de modo singelo e autêntico e, se for a vontade de Deus, morrer heroicamente no Campo como personalidades sacerdotais fortes ou, mais tarde, como sacerdotes amadurecidos, continuar a trabalhar com zelo e fecundidade para o reino de Deus”.
A nobreza, a identidade real que o ser humano carrega por ser filho do Rei do Universo, pode ser expressa nas palavras, nas atitudes, no vestir, no falar. Em cada ato, é preciso recordar que Maria, Rainha, é Mãe de todos, portanto cada filho é um príncipe ou uma princesa neste mundo e sua atitude deve refletir a realeza, o mundo deve enxergar, em cada ser, o reinado de Deus e da Mãe de Deus.
– Cuidado com o próximo
Há muitos testemunhos gratos de prisioneiros que conviveram com o Pai em Dachau. Isso é reflexo de sua atenção e cuidado com o próximo. Em algumas situações ele deu seu pão, sua coberta, seu esforço para outros, mas acima de tudo deu de si. A atenção que dedicava às pessoas possibilitou que permanecessem firmes. Muitas vidas foram profundamente influenciadas, como o Beato Pe. Karl Leisner, herói de Schoenstatt, o Dr. Fritz Kühr e o jurista austríaco Eduard Pesendorfer, que fundaram, com o Pai, o Instituto de Famílias e o Instituto dos Irmãos de Maria.
O desprendimento de si, principalmente em situações complicadas, ajuda a enfrentar as dificuldades com mais confiança e solidariedade. Aí está a cultura do encontro e a vivência prática da misericórdia no dia a dia.
– Fidelidade
Atividades religiosas eram proibidas no campo de concentração, mesmo assim diariamente o Pe. Kentenich rezava a Santa Missa, se arriscando a ser punidos severamente. Ele narra: “De manhã, muito cedo, celebrava a Missa, enquanto se limpavam as celas e certamente no meio de muito ruído. Havia uma grande confusão em toda a casa. As portas se abriam, os guardas entravam nas celas, as chaves giravam, as portas da cela batiam-se, os baldes se moviam de lugar, faziam-se as camas, limpavam-se as celas. Enquanto os outros corriam por ali, eu celebrava. Punha tudo à vista. Quando chegava o controle escondia tudo rapidamente”.
A Missa não era uma obrigação, mas um ato de amor, uma necessidade para o Pai, por isso ele se arriscava. Em quantos domingos acordamos sem a mínima vontade de ir à Santa Missa e simplesmente a deixamos de lado? A fidelidade se apresenta em algo simples, como participar da Eucaristia, mas também a todas as obrigações. A Aliança de Amor pede o “fiel e fidelíssimo cumprimento do dever”.
– Criatividade
Para preparar o livro de orações ‘Rumo ao Céu’, Pe. Kentenich trabalhava muito. Ele pediu a outra pessoa que escrevesse o que ele ia narrando e, enquanto isso, ele faria o serviço dos dois. Por vezes lhe questionaram se ele andava escrevendo textos, ao qual ele sempre respondia que “não”. Não era mentira, como ele conta, pois não era ele que de fato escrevia, ele apenas narrava.
O amor é criativo e encontra soluções para servir. Certamente no dia a dia não pode faltar criatividade, inspirada pelo Espírito Santo, para viver o caminho de santidade.
Para o nosso “20 de Janeiro”
Essas são algumas poucas lições da grande “aula” que o Pai e Fundador oferece de Dachau. Tudo isso se resume na vivência genuína da Aliança de Amor na vida prática. Não é necessário estar diante da morte, de uma situação que leve a ela para ser ousado como o Pe. Kentenich em 20 de Janeiro de 1942.
Depois de ser libertado, ele por fim se dirige diretamente ao Santuário Original, para onde sempre deve retornar o nosso coração em todas as situações, especialmente naquelas mais difíceis.
Fonte de pesquisa: Novena Livre em Algemas, Irmãs de Maria de Schoenstatt.
Fonte: www.maeperegrina.org.br